quarta-feira, 18 de abril de 2012

Do filtro ao domínio do tempo: redes sociais exibem os impasses da convivência


Há sempre um sorriso em pixels e uma janela que pisca, insinuante e curvilínea, para nos dizer do que se ocupam os outros. Aberto a interação, está aquilo que vêem, escutam e pensam nossos contatos etiquetados como amigos. João fala bengali e lê Nietzsche. Maria dedica-se aos resquícios de sua desilusão amorosa. Em um território loteado por redes sociais, parece apropriado que nesta quarta-feira, 18, quando se comemora o Dia do Amigo criado pelo argentino Enrique Febraro (há, ainda, o Dia do Amigo em 20 de julho, mesma data da
chegada do homem à lua) voltemos a questão: de que forma a internet reconfigura nossas formas de conviver?
Se você logo aponta para a superficialidade das relações, estudos recentes vão na direção contrária. Nunca se estreitou tanto os laços como agora. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Toronto, por exemplo, constatou que a internet possibilita estabelecer laços íntimos de forma mais rápida e eficaz. E se seu incômodo vem do excesso de exposição, o centro de estudos de internet da Universidade de Harvard indica que vivemos em um momento de ressignificação do conceito de privacidade, no qual novos valores sobre o que deve ou não ser público estão sendo fundados. 
"A questão tem menos a ver com privacidade ou tipo de relação que mantemos, e mais com o excesso de informação a que estamos expostos", diz a pesquisadora do Departamento de Comunicação da Universidade de São Paulo Lígia Telles. "Todos dizem o que pensam o tempo todo sobre qualquer assunto. Somos expostos a notícias sérias e fúteis no mesmo ambiente, em uma espiral de informação que tende a nos puxar para baixo".

Retomando o trabalho de autores como Nicolas Carr (do livro "O que a internet está fazendo com os nossos cérebros") e Tyler Cowen (de "O guia da prosperidade em um mundo em desordem"), Lígia aponta para a absorção de conteúdo de forma caótica, geradora de um comportamento bastante compartilhado: olhar a caixa de email a cada cinco minutos, verificar compulsivamente atualizações no Facebook e Twitter. O consumo de informação desenfreado, em pequenas doses distribuídas aleatoriamente, estaria mudando nossa maneira de pensar.

Se, por um lado, o contato constante com unidades de informação pode nos manter atentos por mais tempo, aprimorando nossa capacidade cognitiva (como defende Cowen), por outro, essa mediação pode nos oferecer como resposta a ansiedade e o vazio (tese de Carr). No centro da questão, defende Lígia, está a curadoria.

"Não se trata de ser bom ou ruim, mas de que forma reunimos e manipulamos a informação do mundo externo e relacionamos com nossas preocupações individuais. O filtro é a melhor estratégia que podemos adotar".

Isolados - A rede social mais popular do mundo parece ser aquela que expõe com maior clareza os males de uma curadoria deficiente. O Facebook, com seus 850 milhões de usuários - no Brasil, a rede tem 36,1 milhões de usuários ativos, contra 34,4 do concorrente Orkut, segundo dados da empresa de medição ComScore - "mimetiza a liberdade oferecida pela web 2.0, potencializando a exposição a conteúdos de todo tipo. O polegar levantado, com toda sua simplicidade, virou o elemento essencial da autopublicação", como acredita o professor da Universidade de Navarra José Serrano.

Serrano, além de dedicar-se ao estudo dos efeitos da informação, debruça-se sobre outro fenômeno a que estamos imersos e que, ironicamente, nada tem de social. Tomando como base o Facebook, uma característica chama sua atenção: a presença de softwares que, cruzando dados dos usuários, cria sistemas de recomendação. Se você interage com amigos específicos, são as atualizações deles (o que fazem e os links que postam) que aparecerão na sua tela; se você troca mensagens com palavras como "cinema" ou "música", anúncios de DVDs e CDs cintilarão à sua frente. É como se a rede estivesse filtrando informações o tempo todo e suprimindo aquilo que, supostamente, não interessa.

Para Serrano, esse tipo de recomendação cria uma "bolha antissocial". No lugar da liberdade irrestrita para passear por caminhos diversos, estaríamos fechados em uma sala com possibilidades e combinações limitadas.  "Somos desencorajados a caminhar sem um propósito definido, como quando entramos em uma grande loja de discos e descobrimos o desconhecido. Essa mediação é isolante, embora a diversidade proporcionada pela internet esteja sempre disponível".

A opinião encontra eco em Bia Granja, organizadora e curadora do festival YouPix, o maior evento dedicado a cultura da internet no Brasil. Destacando que a ação de softwares e algoritmos para dizer o que é importante impede o acesso a opiniões diferentes, Bia acredita que encontrar perfis e respostas variadas na timeline é o passo “vital para termos uma visão tão ampla quanto a internet sugere em sua essência”.

Imagéticos - É também o Facebook que indica o aspecto em ascensão revelador sobre todos nós: a predileção por uma comunicação feita através de fotos e não por textos. A rede criada por Mark Zuckberg tem 70% de suas interações feitas por imagens e, na semana passada, anunciou a aquisição do Instagram, aplicativo fotográfico para dispositivos móveis que oferece aos seus usuários a possibilidade de utilizar filtros nas imagens.

A investida vem fundada no próprio crescimento de redes cuja mediação é feita por fotos. O Tumblr, uma espécie de blog dedicado a imagens, cresceu 1.540% de fevereiro de 2010 para fevereiro de 2011, chegando a 15 milhões de usuários, segundo a ComScore. O Pinterest, que possibilita criar um mural com referências estéticas (roupas, objetos, paisagens), chegou a 11 milhões de usuários e, em março deste ano, recebeu 104 milhões de visitas, ficando atrás apenas do Facebook (7 bilhões) e Twitter (182 milhões), segundo dados da Experian Hitwise. E o próprio Instagram, criado há 600 dias e vendido ao Facebook por 1 bilhão de dólares, já vale mais que o centenário jornal New York Times, que tem suas ações públicas estimadas em 950 milhões de dólares. Para Ligia, o poder agregado a essas redes – e, consequentemente, nosso interesse pela linguagem visual – pode ser explicado pela “eficiência na comunicação”. “A foto tem uma linguagem emocional e universal”. Mas a raiz da escolha por imagens, ela acredita, é o ponto de partida para entender como o homem movimenta-se na contemporaneidade.

“A imagem deixa aberta a decisão de quanto você quer dedicar a ela: um segundo ou uma hora. E isso tem a ver com o tempo”, diz. “Dominar o tempo foi sempre uma possibilidade valiosa. Agora, passou a ser existencial”. (A tarde)

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